STF apresenta dois votos contrários à lei que veda o uso da linguagem neutra nas instituições de ensino de Votorantim, São Paulo
O ministro Gilmar Mendes, integrante do Supremo Tribunal Federal (STF), votou pela inconstitucionalidade de uma legislação sancionada no município de Votorantim, localizado no interior do Estado de São Paulo, a qual impõe a proibição do uso da linguagem neutra nas instituições de ensino, tanto públicas quanto privadas, da cidade.
Na condição de relator da presente ação, o ministro Gilmar Mendes contou com a adesão do ministro Alexandre de Moraes, consolidando, assim, dois votos em desfavor da normativa. O julgamento, que se iniciou no plenário virtual do Supremo no dia 1º de novembro, prossegue até o dia 11 do mesmo mês, período no qual os demais ministros deverão se pronunciar.
A deliberação ainda aguarda os votos dos ministros André Mendonça, Cármen Lúcia, Cristiano Zanin, Dias Toffoli, Edson Fachin, Flávio Dino, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso e Nunes Marques, cujas análises determinarão a decisão final sobre a validade e o alcance da referida legislação.
Compreenda o contexto do julgamento
A Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1166 foi movida conjuntamente pela Aliança Nacional LGBTI+ e pela Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (ABRAFH). Ambas as entidades questionam a constitucionalidade de uma lei municipal sancionada em Votorantim, município do interior de São Paulo, que proíbe expressamente o uso de linguagem neutra em instituições de ensino, sejam elas públicas ou privadas.
Em uma decisão anterior, o Supremo Tribunal Federal suspendeu dispositivos legais de teor semelhante que haviam sido promulgados em outras localidades, como Águas Lindas de Goiás (GO) e Ibirité (MG). À época, os ministros do STF seguiram, de forma unânime, o voto do ministro Alexandre de Moraes, entendendo que legislar sobre o conteúdo pedagógico não é competência das administrações municipais, mas sim do Estado, no âmbito federal.
Essa avaliação jurídica, portanto, transcende a questão meramente linguística e toca diretamente na delimitação das competências legais entre os entes federativos, além de refletir a busca por um modelo educacional que respeite a diversidade e a inclusão.
Disposições da Lei aprovada em Votorantim
A Lei N.º 2.972, promulgada em maio de 2023, é uma iniciativa legislativa de autoria do vereador Cirineu Barbosa (PL) e do ex-vereador Thiago Schiming (PSDB). O texto da lei institui medidas que visam preservar o direito dos estudantes de Votorantim ao aprendizado da língua portuguesa conforme a norma culta, seguindo as diretrizes gramaticais estabelecidas e as orientações legais vigentes no ensino.
Em seu Artigo 2º, a lei dispõe que, nos ambientes formais de educação, é vedada a utilização de quaisquer formas de expressão que, ao desrespeitarem as regras convencionais da gramática, objetivem representar o “gênero neutro” — estrutura gramatical que, segundo o texto legal, é inexistente na Língua Portuguesa e não está contemplada nas diretrizes e bases da educação nacional.
Tal legislação busca, assim, assegurar que a instrução ministrada nas instituições de ensino da cidade se mantenha alinhada aos preceitos formais da língua, resguardando o que considera ser a integridade e a normatividade da gramática portuguesa.
Conceito de Linguagem Neutra
A linguagem neutra é definida como uma tentativa de adaptar a Língua Portuguesa para torná-la mais inclusiva. O linguista Luiz Carlos Schwindt, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, esclarece que a linguagem carrega, intrinsecamente, as crenças, experiências pessoais e até mesmo as estratificações sociais de seus falantes.
Segundo Schwindt, o conceito de linguagem neutra busca promover uma forma de expressão mais abrangente, o que pode ser feito tanto pela ampliação do uso do gênero feminino, em oposição ao predomínio tradicional do gênero masculino, quanto pelo emprego de marcas linguísticas que se desvinculem da classificação binária de gênero, não correspondendo exclusivamente ao masculino ou ao feminino.
Entre as estratégias aplicadas, algumas se restringem à modalidade escrita, como o uso de caracteres como “x” ou “@” no lugar das vogais, de modo a evitar marcações de gênero específicas. Essas práticas têm o objetivo de favorecer uma comunicação que acolha as diversas identidades, oferecendo uma alternativa às normas linguísticas tradicionais.