O Potencial da Educação a Distância e das Faculdades Públicas na Ampliação do Acesso ao Ensino Superior
O acesso à educação superior no Brasil, em suas mais variadas manifestações, encontra-se diante de um cenário de desafios e transformações, nos quais iniciativas robustas e visionárias se fazem essenciais. Neste contexto, a Academia Brasileira de Ciências (ABC), por meio de seu mais recente relatório intitulado “Um Olhar sobre o Ensino Superior no Brasil”, delineia propostas inovadoras para aprimorar o sistema educacional público superior, ampliando seu alcance e democratizando a educação de qualidade.
Entre as sugestões mais notáveis, destaca-se a criação de faculdades federais, instituições de ensino superior de caráter exclusivamente acadêmico, que se propõem a formar profissionais altamente qualificados com um custo por aluno consideravelmente reduzido. Este modelo visa expandir as oportunidades de acesso à educação superior pública, estabelecendo um diferencial estratégico para a formação de uma força de trabalho competente, ao mesmo tempo em que respeita os limites orçamentários do setor público.
Atualmente, as universidades federais no Brasil desempenham funções tripartidas: ensino, pesquisa e extensão, este último caracterizado pela interação com a sociedade através de projetos voltados para a transformação social. Contudo, a proposta de faculdades federais com foco singular na formação acadêmica busca uma abordagem mais direta e eficiente para o desenvolvimento de profissionais capacitados, sem os desdobramentos institucionais que envolvem pesquisa e extensão, permitindo maior especialização e agilidade na oferta de educação superior.
Além disso, a proposta sugere um investimento substancial em cursos noturnos e na expansão da educação a distância (EaD), modalidades que, com sua flexibilidade, atendem de maneira mais abrangente as novas exigências da sociedade contemporânea. O objetivo primordial é garantir que mais estudantes, especialmente aqueles com compromissos profissionais ou familiares, possam ter acesso ao ensino superior, por meio de uma oferta que considere as especificidades e anseios da população estudantil moderna.
No Brasil, conforme evidenciado pelo relatório da Academia Brasileira de Ciências (ABC), apenas 22% da população na faixa etária de 25 a 34 anos possui diploma universitário, um índice consideravelmente aquém da média de 47% registrada nos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Este dado sublinha a disparidade entre o Brasil e nações desenvolvidas, evidenciando um gap significativo no acesso à educação superior de qualidade. Além disso, observa-se que 79% das matrículas no ensino superior estão concentradas no setor privado, o que reflete uma evidente desigualdade no acesso à educação pública.
O professor Rodrigo Capaz, membro titular da ABC e docente do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), expressou sua preocupação em relação a esses números, afirmando: “Esse é um número muito pequeno, se considerarmos um país que necessita se desenvolver com agilidade”. Suas palavras ressaltam a urgência de reformulações no sistema educacional, que devem ser priorizadas para alavancar o desenvolvimento social e econômico do país.
Ao abordar o conceito de faculdades federais, Capaz apresenta uma reflexão crítica: “Quando analisamos experiências internacionais, percebemos que, em nenhum país do mundo, a massificação ou a democratização do ensino superior ocorreu por meio das universidades de pesquisa. Embora essas universidades sejam indiscutivelmente qualificadas para a realização de pesquisa, o custo por aluno nessas instituições acaba sendo significativamente maior quando comparado a outras modalidades de ensino, que se dedicam exclusivamente à formação acadêmica”.
Além da criação das faculdades federais, o relatório da Academia Brasileira de Ciências (ABC) propõe, de maneira igualmente visionária, a implementação de Centros de Formação em Áreas Estratégicas (CFAEs) nas universidades públicas. Estes centros seriam dedicados a seis campos considerados cruciais para o futuro do Brasil e do mundo, conforme delineado pelo documento:
- Bioeconomia
- Agricultura e Agronegócio
- Transição Energética
- Saúde e Bem-Estar
- Transformação Digital e Inteligência Artificial
- Materiais Avançados e Tecnologias Quânticas
Cada um desses campos estratégicos tem o potencial de se tornar um pilar essencial para o desenvolvimento sustentável e inovador do país, e os CFAEs seriam instituições de vanguarda, responsáveis por promover a formação de profissionais altamente qualificados nessas áreas.
Esses centros operariam de maneira interdisciplinar, criando um ambiente propício à colaboração entre diversas áreas do conhecimento, com o objetivo de gerar soluções inovadoras e tecnologias de ponta que atendam às demandas emergentes da sociedade. Ao alavancar a pesquisa aplicada, essas instituições poderiam se tornar catalisadoras do desenvolvimento de novas tecnologias e práticas que transformariam profundamente os setores mencionados.
Ensino a Distância: Expansão e Qualificação para Atender a Demanda Social
O relatório da Academia Brasileira de Ciências (ABC) também apresenta a proposta de ampliação e qualificação da oferta de cursos públicos na modalidade de Educação a Distância (EaD), visando atender à crescente demanda por flexibilidade e acessibilidade no ensino superior. A modalidade EaD, que obteve um expressivo crescimento nos últimos anos, é considerada um instrumento crucial para a democratização do acesso à educação superior, especialmente para aqueles que enfrentam desafios logísticos e de tempo.
Entre 2011 e 2021, o número de estudantes matriculados em cursos superiores de graduação na modalidade EaD aumentou em impressionantes 474%. Durante o mesmo período, os cursos presenciais registraram uma redução de 23,4% nas matrículas. Em 2022, 81% dos alunos ingressantes em cursos de licenciatura optaram pela modalidade a distância, um reflexo claro de uma mudança paradigmática na educação superior no país.
Entretanto, o vertiginoso crescimento da EaD gerou preocupações quanto à qualidade da oferta educacional. Para assegurar que o ensino a distância atenda aos mais elevados padrões de excelência, o Ministério da Educação (MEC) decidiu suspender, até 2025, a criação de novas vagas nessa modalidade, a fim de proceder a uma revisão aprofundada do marco regulatório dos cursos EaD.
Atualmente, a maior parte das vagas em EaD é mantida pelo setor privado, com 71,7% das ofertas, enquanto o setor público responde por apenas 12,9%. O relatório sugere que as instituições federais ampliem sua participação nesta modalidade, a fim de atender às necessidades de um número cada vez maior de estudantes que buscam flexibilidade para conciliar seus estudos com outras atividades, como o trabalho e compromissos familiares.
Em defesa da EaD, o professor Rodrigo Capaz ressalta: “Não podemos negar que o ensino a distância é uma demanda real e irreversível da sociedade moderna. É claro que nem todos os cursos serão oferecidos nessa modalidade, e não é isso que propomos, mas devemos utilizar esse instrumento, que é poderoso, para expandir o ensino superior. Ele possibilita, por exemplo, atender alunos em localidades de difícil acesso ou aqueles que necessitam de horários flexíveis.”