“Quatro Linhas é o Car****”, “Vamos pro Vale Tudo”: Revelados Diálogos de Conotação Golpista pela Polícia Federal
Operação da Polícia Federal que culminou na prisão de suspeitos envolvidos no planejamento da morte de autoridades traz à tona diálogos entre os investigados
A investigação conduzida pela Polícia Federal (PF), que desvendou um plano maquiavélico para eliminar figuras de destaque como Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Geraldo Alckmin (PSB) e Alexandre de Moraes, expôs uma série de diálogos impregnados de teor golpista, trocados entre os envolvidos.
Na terça-feira (19), a PF efetuou a prisão de cinco indivíduos durante a Operação Contragolpe, incluindo o general da reserva Mario Fernandes, apontado como o principal responsável pela articulação do plano para assassinar as autoridades. De acordo com as investigações, Fernandes é também considerado uma das vozes mais radicais no movimento golpista, defendendo um golpe de Estado que visava impedir a posse de Lula e, por conseguinte, preservar Jair Bolsonaro (PL) no comando do Executivo.
O relatório da PF, que serviu como fundamento para a operação, inclui transcrições de conversas comprometedoras a respeito do esquema. A seguir, apresentamos alguns dos principais trechos extraídos dessas interações:
“Quatro Linhas é o C*ralho”, Disse Coronel
Em um diálogo registrado entre Mario Fernandes e o coronel Reginaldo Vieira de Abreu, ex-chefe de gabinete do general da reserva na Secretaria-Geral da Presidência da República, o termo “quatro linhas” é citado de maneira incisiva. A expressão faz referência a uma frase amplamente repetida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que costumava se referir às “quatro linhas da Constituição” como os limites da legalidade. No contexto da conversa, a declaração foi proferida de forma desafiadora, demonstrando uma postura radicalizada contra as normas constitucionais e um aparente desdém pela ordem jurídica estabelecida.
Reginaldo, conhecido como Velame, diz no dia 5 de novembro de 2022: “O senhor me desculpe a expressão, mas quatro linhas é o caralho. Quatro linhas da Constituição é o caceta. Nós estamos em guerra, eles estão vencendo, está quase acabando e eles não deram um tiro por incompetência nossa. Incompetência nossa, é isso. Estamos igual o sapo, a história do sapo na água quente. Você coloca o sapo na água quente, ele não sente a temperatura da água mudar e vai se aumentando, aumentando, aumentando quando vê ele tá morto. É isso.””
“Vamos Pro Vale Tudo”, Afirmou Contato
Em uma conversa registrada no dia 4 de novembro de 2022, entre Mario Fernandes e um indivíduo identificado pela Polícia Federal como Helio Osorio Coelho, o tom da troca de mensagens se torna ainda mais alarmante. O interlocutor, em um discurso inflamado, expressa ao general da reserva sua disposição de “ir pra guerra” e se declara “pronto a morrer” para assegurar o que ele define como sendo a “liberdade” do país. A frase “vamos pro vale tudo” reforça o caráter radical e extremista da proposta, indicando uma disposição em adotar medidas desesperadas e violentas, sem limites, para atingir objetivos de natureza golpista.
Helio Osorio Coelho: “General, eu, eu, Hélio Coelho, cara, desculpa até falar isso, né? Chamar de cara, mas é pela amizade que a gente tem. Olha, general, eu sou capaz de morrer, cara, pelo meu país, sabia? Pelo meu presidente, cara. Sou capaz de morrer por essa nação. A ter que viver sob julgo de bandidos criminosos, entendeu? Comunistas. Eu sou capaz de morrer, cara, por essa nação. Senhor pode ter certeza disso. Não só eu, mas milhares e milhares de pessoas, entendeu? Eu não consigo vislumbrar, né, meus sobrinhos, né, minhas sobrinhas, os filhos pequenos de meus amigos, das minhas amigas, ficando sob o julgo desse vagabundo. Não consigo imaginar. Eu prefiro ir pra guerra. Eu prefiro ir pro campo de batalha, entendeu? Viver a pátria livre ou morrer pelo Brasil, entendeu? Aprendi isso na caserna. Honrar a minha bandeira. Honrar o meu presidente. Então, eu tô pedindo a Deus pra que o presidente tome uma ação enérgica e vamos, sim, pro vale tudo. E eu tô pronto a morrer por isso. Porque o que adianta viver sem honra? O que adianta andar na rua de cabeça baixa e não poder bater no peito que um dia eu lutei pela liberdade.”
Bolsonaro é Citado
A Polícia Federal identificou, durante a investigação, ao menos duas ocasiões em que Mario Fernandes esteve em proximidade com Jair Bolsonaro, no período em que, segundo as apurações, se gestava um golpe de Estado no Brasil.
A primeira dessas ocasiões ocorreu em 6 de dezembro de 2022, quando Fernandes, em sua condição de militar, esteve no Palácio do Planalto e imprimiu o documento intitulado “Punhal Verde e Amarelo”, no qual estavam contidos os detalhes de um plano de execução das autoridades. O material evidenciaria a seriedade do complô em andamento.
A segunda reunião entre Fernandes e o ex-presidente aconteceu dois dias depois, em 8 de dezembro, no Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência da República. Nessa ocasião, o general da reserva permaneceu no local por 40 minutos.
Às 22h56 do mesmo dia, Fernandes enviou duas mensagens a Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Nas comunicações, o general da reserva relata que o então presidente teria afirmado que “qualquer ação” por parte dos suspeitos poderia ocorrer até o dia 31 de dezembro. Em resposta, Cid sugeriu que o golpe precisaria ocorrer antes de 12 de dezembro, data em que Luiz Inácio Lula da Silva seria diplomado em uma cerimônia no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O teor dessas mensagens reforça a gravidade das intenções golpistas e a proximidade de membros da administração de Bolsonaro com os envolvidos no plano.
Veja abaixo a transcrição da conversa divulgada
Mario Fernandes: “Cid, boa noite. Meu amigo, antes de mais nada me desculpa estar te incomodando tanto no dia de hoje. Mas, porra, a gente não pode perder oportunidade. São duas coisas.
A primeira, durante a conversa que eu tive com o presidente, ele citou que o dia 12, pela diplomação do vagabundo, não seria uma restrição, que isso pode, que qualquer ação nossa pode acontecer até 31 de dezembro e tudo.
Mas, porra, aí na hora eu disse, pô, presidente, mas quanto antes, a gente já perdeu tantas oportunidades. E aí depois meditando aqui em casa, eu queria que, porra, de repente você passasse pra ele dois aspectos que eu levantei em relação a isso.
A partir da semana que vem, eu cheguei a citar isso pra ele, das duas uma, ou os movimentos de manifestação na rua, ou eles vão esmaecer, ou vão recrudescer. Recrudescer com radicalismos e a gente perde o controle, né? Pode acontecer de tudo.
Mas podem esmaecer também. Vou até te mandar um vídeo aqui abaixo da situação em frente ao PDC no Rio de Janeiro. Tá ok? E o outro aspecto é que, pô, nós temos já passagens de comando dos comandos de força, força armada. Já 20, 20 e poucos.
E aí já vão passar o comando para aqueles que estão sendo indicados para o eventual governo do presidiário. E aí tudo fica mais difícil, cara, para qualquer ação. Então esses dois aspectos são importantes, certo? Olha o vídeo aqui abaixo.”
Mario Fernandes: “E Cid, o segundo ponto é o seguinte, eu estou tentando agir diretamente junto às forças, mas, pô, se tu pudesse pedir para o presidente ou para o gabinete do presidente atuar.
Pô, a gente tem procurado orientar tanto o pessoal do agro como os caminhoneiros que estão lá em frente ao QG. E hoje chegou para a gente que parece que existe um mandado de busca e apreensão do TSE, não, do Supremo, em relação aos caminhões que estão lá.
Os caras não podem agir, é área militar, mas já andou havendo prisão realizada ali pela Polícia Federal. Então isso seria importante, se o presidente pudesse dar um input ali para o Ministério da Justiça para segurar a PF ou para a Defesa alertar o CMP, e, porra, não deixa.
Pô, os caminhões estão dentro de área militar, os caras vieram aí, porra, estão há 30 dias aí deixando de produzir pelo Brasil e agora vão ter os caminhões apreendidos. Cara, isso é um absurdo. Então, atento a isso, conversa com o presidente, cara. Um grande abraço, força!”
Mauro Cid: “Não, pode deixar, general. Vou conversar com o presidente. O negócio é que ele tem essa personalidade às vezes. Ele espera, espera, espera, espera pra ver até onde vai, ver os apoios que tem.
Só que às vezes o tempo tá curto, não dá pra esperar muito mais passar. Dia 12 seria… Teria que ser antes do dia 12, mas com certeza não vai acontecer nada. E sobre os caminhões, pode deixar que eu vou comentar com ele, porque o exército não pode papar mosca de novo, né.
É área militar, ninguém vai se meter. Até porque a manifestação é pacífica. Ninguém tá fazendo nada ali.”