Análise genética refuta teoria de colapso intencional em Rapa Nui; compreenda
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Análise genética refuta teoria de colapso intencional em Rapa Nui; compreenda

Estudos de DNA antigo de 15 habitantes da Ilha de Páscoa, situada no remoto Pacífico, indicam que não houve um declínio populacional devastador, como defendido por teorias anteriores.

A pesquisa revelou também que seus habitantes chegaram às Américas por volta do século XIV, séculos antes da expedição de Cristóvão Colombo em 1492.

Colonizada por navegadores polinésios há aproximadamente 800 anos, Rapa Nui, atualmente pertencente ao Chile, é famosa por suas monumentais cabeças de pedra, testemunhas de um passado misterioso.

Teorias como a do geógrafo Jared Diamond, que em sua obra “Colapso” (2005) utilizou a ilha como exemplo de devastação ecológica e declínio populacional, são hoje contestadas por estudos arqueológicos, que sugerem a presença de uma sociedade equilibrada e resiliente.

A recente análise constitui a primeira ocasião em que cientistas recorreram ao DNA antigo para investigar a hipótese de colapso social autoinfligido em Rapa Nui, lançando luz sobre o enigmático passado da ilha.

Genomas de Rapa Nui

Para aprofundar a compreensão da história de Rapa Nui, os cientistas sequenciaram os genomas de 15 antigos habitantes da ilha, cujos restos mortais estão preservados no Musée de l’Homme, em Paris, parte do Museu Nacional de História Natural da França.

O estudo, publicado na revista Nature, não encontrou indícios de um gargalo genético que indicasse uma drástica redução populacional.

Ao contrário, a análise sugere que a ilha mantinha uma pequena população que cresceu paulatinamente até a década de 1860, quando um terço de seus habitantes foi violentamente capturado por invasores peruanos.

“Não houve colapso populacional severo, como previamente sugerido, em que 80% ou 90% da população teria perecido”, afirmou J. Víctor Moreno-Mayar, coautor do estudo e professor assistente de geogenética no Instituto Globe da Universidade de Copenhague.

Rapa Nui hoje faz parte do Chile e há muito tempo é uma fonte de fascínio; gravura mostra as estátuas gigantes na cratera vulcânica Rano Raraku • DEA / J. L. CHARMET/De Agostini via Getty Images

Os genomas revelaram ainda que os habitantes de Rapa Nui trocaram material genético com uma população indígena americana, indicando que cruzaram o oceano até a América do Sul entre 1250 e 1430, muito antes da chegada de Colombo às Américas e dos europeus à ilha, em 1722.

Segundo o estudo, entre 6% e 11% dos genomas dos indivíduos analisados possuem ascendência sul-americana. A análise permitiu determinar o período desse contato, estimando que o encontro e miscigenação entre os dois grupos ocorreu cerca de 15 a 17 gerações antes dos indivíduos estudados.

 

Navegadores polinésios

Essa descoberta, embora significativa, não é inteiramente inesperada. Narrativas orais e análises genéticas dos habitantes contemporâneos de Rapa Nui já indicavam essa ancestralidade, além da presença de batata-doce, originária da América do Sul, encontrada na ilha antes do contato europeu, conforme explicou Moreno-Mayar.

Apesar disso, tanto especialistas quanto o público geral mostram resistência em abandonar as narrativas catastrofistas sobre a ilha, afirmou Lisa Matisoo-Smith, professora de antropologia biológica da Universidade de Otago, Nova Zelândia.

Entretanto, os genomas antigos reforçam o crescente corpo de evidências que refuta a teoria de um colapso populacional autoinfligido, ressaltou Matisoo-Smith, que não esteve envolvida no estudo.

“Sabemos que os navegadores polinésios, que descobriram e colonizaram Rapa Nui há pelo menos 800 anos, figuram entre os maiores exploradores e navegadores do mundo”, declarou ela em comunicado divulgado pelo Centro de Mídia Científica da Nova Zelândia.

“Seus ancestrais viveram pelo menos 3.000 anos em um ambiente oceânico, navegando por milhares de quilômetros de oceano aberto, descobrindo quase todas as ilhas habitáveis no vasto Pacífico. Seria surpreendente se não tivessem alcançado a costa sul-americana. Esses resultados fornecem indícios fascinantes sobre o momento desse contato”, destacou Matisoo-Smith.

Ela observou que acadêmicos do Pacífico já questionavam a narrativa de ecocídio e colapso social, apoiados por evidências arqueológicas diversificadas.

“Agora, finalmente temos provas de DNA antigo que abordam diretamente essas questões, permitindo-nos talvez focar em uma narrativa mais realista da história desta ilha enigmática, que, na verdade, se assemelha ao padrão das demais ilhas polinésias”, afirmou.

Um estudo recente, publicado em junho, baseado em imagens de satélite de terras outrora usadas para o cultivo, também corroborou essas conclusões.

 

Análise de DNA de restos humanos

Os restos humanos analisados foram coletados pelo estudioso francês Alphonse Pinart em 1877 e pelo antropólogo suíço Alfred Métraux em 1935, conforme citado no estudo, que recorreu a arquivos museológicos.

As circunstâncias exatas da retirada dos restos permanecem incertas, mas refletem uma prática comum de coleta em territórios colonizados no final do século XIX e início do século XX.

A equipe de pesquisa colaborou com as comunidades locais e autoridades governamentais de Rapa Nui, obtendo consentimento para o estudo. Os cientistas esperam que os resultados contribuam para a repatriação dos restos, possibilitando seu sepultamento adequado na ilha.

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