Como a escalada do conflito no Oriente Médio pode impactar a economia do Brasil?
A flutuação dos preços internacionais impacta diretamente os negócios da principal empresa estatal do país: a Petrobras.
“No contexto brasileiro, um aumento significativo no preço do petróleo tende a repercutir na elevação dos custos da gasolina, do diesel e do gás de cozinha. Durante o governo Lula, o preço do barril tem sido mantido sob controle”, observa Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura.
“Conforme as declarações do presidente, mesmo que os preços internacionais do petróleo aumentem, ele buscará mitigar esse impacto no mercado interno. Contudo, essa contenção excessiva pode acarretar prejuízos à Petrobras, enquanto a liberação dos preços repercute na inflação. Devemos, portanto, monitorar atentamente os desdobramentos do conflito”, conclui.
O receio de um conflito em larga escala entre Israel e seus vizinhos persiste nas análises de mercado. O próprio Banco Central (BC) considera essa situação uma de suas principais preocupações em relação à inflação.
O ex-diretor de Política Monetária do BC, Tony Volpon, recorda que, em abril, o Irã também protagonizou um ataque análogo. Na ocasião, a reação inicial do mercado foi especular sobre um possível pico nos preços do petróleo, que, em seguida, se estabilizou.
Ao longo desta terça-feira, o petróleo registrou uma correção em seus ganhos. Ao final do dia, o barril do tipo WTI, principal referência nos Estados Unidos, fechou com um aumento de 2,44%, cotado a US$ 69,83. A referência internacional, o contrato do tipo Brent, subiu 2,59%, alcançando US$ 73,56.
Apesar das apreensões manifestadas nesta terça, Volpon observa que são imprescindíveis outros elementos para que o mercado adote uma perspectiva mais pessimista.
“A interpretação é de que o Irã necessitaria do apoio explícito da Rússia e da China para desencadear um conflito aberto, e até o momento, não há indícios de tal apoio. As ações do Irã permanecem limitadas neste momento”, conclui o ex-diretor do BC.
Ele ressalta que o petróleo já apresentava uma tendência de queda, devido à elevada produção nos Estados Unidos e no Brasil, contrastando com a fraca demanda da China.
“Talvez já fosse o momento propício para uma reversão nos preços”, pondera.
Agora, é necessário observar a resposta de Israel e as subsequentes ações do Irã.
“Caso o Irã se envolva ativamente no conflito, há a possibilidade de fechamento do Estreito de Ormuz, pela qual transita um terço do petróleo comercializado globalmente. Nesse cenário, o preço do barril poderia ultrapassar a marca de US$ 150, o que teria um impacto significativo na inflação da gasolina e do diesel”, enfatiza Pires.
Petróleo e inflação no Brasil
Apesar de a Petrobras ter renunciado à política de paridade com os preços internacionais, a estatal não pode manter os preços praticados no Brasil significativamente abaixo das cotações globais, sob pena de ver sua receita encolher em relação a seus concorrentes.
Entretanto, caso os preços do petróleo produzido em território nacional aumentem, os valores de seus derivados também seguirão essa tendência. Virginia Parente observa, de maneira bem-humorada, que “o Brasil é movido a diesel”, enfatizando a dependência do transporte rodoviário.
Assim, um aumento nos combustíveis provocará um efeito dominó nos preços dos produtos em circulação no país.
“Os combustíveis são fundamentais para o transporte de mercadorias. Se o custo do transporte encarece, o preço das próprias mercadorias também se eleva”, salienta a professora da USP.
“Ademais, uma parcela da energia elétrica é gerada por termoelétricas que utilizam diesel. Portanto, a alta do combustível repercute nos custos energéticos, especialmente neste período de estiagem. Energias mais caras, por sua vez, impactam o preço final de diversos produtos”, conclui.
Em um período de seca e baixos níveis nos reservatórios das hidrelétricas, o país procura ativar suas usinas termelétricas, que geram eletricidade a partir da queima de combustíveis, para atender à demanda crescente. Essa produção mais onerosa levou a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a implementar a bandeira vermelha 2 nas contas de luz de outubro.
Com o aumento dos preços da energia, o economista e especialista em índices de preços do FGV/Ibre, André Braz, observa que o espaço para que a inflação oficial do país se situe entre 3% e 4,5% — o limite da meta desejada — está se tornando cada vez mais restrito.
De acordo com Braz, a gasolina pode comprometer até 7% do orçamento familiar, implicando que um aumento de 1% nos preços desse combustível resulta em uma elevação de 0,07% no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
“Discutia-se uma tendência de queda sustentada no preço da gasolina, mas agora, com o agravamento do conflito no Oriente Médio, essa probabilidade se reduz significativamente. Há pressões que desafiam essa dinâmica, e a política monetária não é eficaz para conter esses preços administrados, que se disseminam pela inflação em diversos setores, promovendo repasses”, explica o economista do FGV/Ibre.
Agronegócio
De janeiro a agosto deste ano, o Brasil exportou US$ 1,8 bilhão para o Irã, que ocupa a 29ª posição entre os maiores compradores brasileiros, com a soja como seu principal insumo, representando 38% de suas aquisições.
Embora não figure entre os principais parceiros comerciais do Brasil, a região onde se localiza é relevante para o agronegócio nacional. O Oriente Médio corresponde a 5,25% das exportações brasileiras, totalizando cerca de US$ 12 bilhões neste ano.
Os principais produtos exportados incluem açúcar, carne de frango, carne bovina e soja.
Inicialmente, o efeito do conflito parece restringir-se ao setor petrolífero. Contudo, seus desdobramentos estão sendo monitorados, uma vez que o impacto regional pode influenciar o comércio no Oriente Médio, conforme Andréia Adami, professora na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq) da USP e pesquisadora no Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea).
“Os efeitos diretos em relação ao Irã são limitados, mas à medida que o conflito complica o fluxo de comércio na região, poderemos enfrentar custos mais altos e problemas logísticos. Uma escalada das hostilidades afetará as expectativas, aumentando a volatilidade dos preços das commodities em dólar”, ressalta Adami.
“O impacto ocorrerá, principalmente devido à elevação nos preços do petróleo. No que tange ao comércio, os efeitos diretos só se manifestarão se houver a suspensão das transações, o que, ao menos por ora, não parece necessário”, conclui.