Construções Aquáticas: A Possibilidade de Habitar Sob as Águas
TECNOLOGIA

Construções Aquáticas: A Possibilidade de Habitar Sob as Águas

A súbita interrupção das atividades de um centro de mergulho em uma pedreira inundada nas proximidades de Bristol, no Reino Unido, no início de 2022, suscitou a curiosidade de numerosos mergulhadores recreativos.

Quase dois anos depois, algumas respostas emergiram. A DEEP, uma empresa de tecnologia oceânica britânica, adquiriu o local como um centro de pesquisa e campus empresarial, revelando, em setembro do ano anterior, sua ambição de “transformar humanos em criaturas aquáticas”.

O cerne de sua proposta é o habitat subaquático denominado sistema Sentinel, projetado para permitir que indivíduos residam e desempenhem atividades a 200 metros de profundidade por até um mês.

Este sistema é constituído por módulos interligados, aplicáveis desde a coleta de dados sobre a química oceânica até a exploração de naufrágios históricos. O habitat, adaptável, pode ser configurado em diversas disposições, tornando-o apto tanto para missões de seis pessoas quanto para estações de pesquisa com 50 indivíduos, conforme informado pela DEEP.

A empresa almeja que seus habitats possam servir como catalisadores para uma presença humana perene nas profundezas oceânicas, semelhante à Estação Espacial Internacional, que, desde 2000, possibilita que seres humanos habitem e operem no espaço.

Na semana passada, a DEEP divulgou um precursor do Sentinel: um habitat subaquático de dimensões menores que será utilizado para desenvolver sistemas para o Sentinel, além de ser lançado como um produto autônomo.

O Vanguard, com 12 metros por 7,5, oferece espaço adequado para três indivíduos permanecerem submersos por até uma semana, e estará pronto para ser lançado nas águas do campus da DEEP no Reino Unido no início de 2025.

 

Simulação do Vanguard, habitat aquático precursor do Sentinel • DEEP

 

O habitat piloto pode desempenhar funções cruciais em situações que exigem mobilização rápida, como a missão de busca realizada em agosto para encontrar sobreviventes de um iate naufragado na Sicília, conforme afirmou Sean Wolpert, presidente da DEEP.

Com o navio submerso a 50 metros de profundidade, os mergulhadores puderam permanecer submersos por apenas 12 minutos antes de emergir. Um habitat subaquático posicionado nas proximidades do naufrágio poderia ter atuado como uma base de operações para os mergulhadores, elucidou Wolpert.

Atualmente, existe apenas um laboratório operacional de pesquisa submarina no mundo, gerido pela Florida International University, utilizado por uma diversidade de pesquisadores, desde aqueles que estudam corais até astronautas da NASA em treinamento para ambientes extremos.

Se os planos forem bem-sucedidos, o Sentinel deverá ser lançado em 2027, e Wolpert aspira vê-lo implantado em diversos locais globais. Contudo, a DEEP reconhece que será necessário um esforço substancial para concretizar suas ambições.

“Por que isso não foi realizado antes da maneira que estamos propondo?”, indagou Wolpert. “Porque é extremamente desafiador. Portanto, temos trabalhado incansavelmente.”

Diagrama detalhe como seria o interior do Sentinel • DEEP

Uma boia de suporte na superfície será equipada com uma interface Starlink, garantindo conectividade, enquanto o habitat será alimentado por fontes renováveis, como turbinas eólicas e painéis solares instalados na superfície.

A empresa, apesar de ainda não gerar receita, está em avançadas negociações com diversas organizações e governos ao redor do mundo, segundo Wolpert, ex-gerente de fundos de hedge. Os clientes poderão alugar, adquirir ou compartilhar espaço em um habitat, conforme suas necessidades.

Wolpert acrescenta que os habitats podem funcionar como catalisadores para novas carreiras e investimentos voltados ao oceano, “semelhante ao que a Estação Espacial Internacional fez ao revitalizar o interesse pelo espaço”.

Outras aplicações possíveis incluem monitoramento e reparo de infraestrutura submarina crítica, turismo, treinamento espacial, restauração de corais, capacitação de mergulhadores navais e pesquisa médica. Uma vez concluído o trabalho, o habitat pode ser relocado e reconstruído em outro local.

As atividades da DEEP ocorrem em um contexto de crescente interesse na exploração dos recursos oceânicos, desde energia eólica offshore até a extração de minerais em águas profundas.

Os habitats subaquáticos também podem proporcionar a biólogos marinhos uma compreensão mais aprofundada dos ecossistemas oceânicos, algo inalcançável em visitas curtas por meio de mergulhos ou embarcações submersíveis.

Bill Dennison, professor de ciências marinhas no Centro de Ciências Ambientais da Universidade de Maryland, relembra seu tempo no Hydrolab, antigo habitat de pesquisa submarina ativo até 1985 nas Ilhas Virgens Americanas, onde estudou ervas marinhas.

“Aprendi mais sobre o oceano naquela semana do que em todos os meus milhares de mergulhos anteriores”, afirmou Dennison. “Você adquire uma compreensão do fluxo da vida subaquática.”

No entanto, ele reconhece as dificuldades envolvidas. “Habitats submarinos são perigosos e caros”, disse Dennison. “É necessário muito equipamento de ponta e uma equipe altamente qualificada e atualizada.”

O que confere à DEEP uma vantagem competitiva, segundo Wolpert, é o respaldo de seu fundador, cujo nome permanece em sigilo. Ele apenas revela que se trata de um “empreendedor norte-americano no setor de tecnologia, que preza pela discrição” e almeja ampliar a compreensão sobre os oceanos e seu papel vital para a humanidade.

Dennison, da Universidade de Maryland, recorda que o Hydrolab era um ambiente úmido, exíguo, sem encanamento interno, e possuía apenas três camas para quatro ocupantes.

Em contraste, o Sentinel oferecerá beliches à prova de som e um salão comunitário para refeições e socialização. “Não será uma suíte do Four Seasons, mas, ao sair, você vai querer voltar”, afirmou Wolpert.

Embora possa soar como uma visão futurista, alguns observadores estão impressionados com os avanços da empresa. “Eles estão reunindo uma equipe altamente qualificada. Parece ser um empreendimento bem fundamentado”, declarou Craig McLean, ex-administrador assistente de pesquisa da NOAA, que não está envolvido no projeto.

 

O Advento de uma Nova Era

O interesse público por habitats submarinos emergiu pela primeira vez na década de 1960, impulsionado pelo renomado oceanógrafo francês Jacques Cousteau, que se propôs a investigar a viabilidade de “oceanautas” viverem e trabalharem no fundo do mar. Suas ousadas missões, destinadas à criação de “vilas subaquáticas” – Conshelf I, II e III – capturaram a atenção midiática em plena corrida espacial.

Após o surgimento de diversos habitats subaquáticos, o entusiasmo público pelos oceanos gradualmente declinou, observou McLean, ex-funcionário da NOAA.

A NOAA operou seu primeiro laboratório submarino, o Hydrolab, de 1970 a 1985, e instalou outro, o Aquarius, em 1988, nas Ilhas Virgens Americanas. O Aquarius, ligeiramente maior que um ônibus escolar, oferece seis beliches, além de micro-ondas, toalete, geladeira, chuveiro e conexão à internet.

Atualmente, o Aquarius encontra-se no Santuário Marinho Nacional de Florida Keys, mantendo-se como o único laboratório submarino operacional do mundo dedicado à pesquisa científica.

Nem tudo, contudo, ocorreu de maneira harmoniosa. McLean enfrentou a árdua decisão de transferir as operações do Aquarius da NOAA para a Florida International University, com sede em Miami, que assumiu o controle em 2013. “Infelizmente, foi uma medida necessária, considerando as limitações financeiras”, declarou McLean. “O investimento social no oceano tem sido historicamente subfinanciado.”

Nos últimos anos, indivíduos abastados têm alocado seus recursos na exploração oceânica. A OceanX, apoiada pelo fundador do fundo de hedge Ray Dalio, trouxe as missões submarinas para o público por meio de seu braço midiático. Victor Vescovo, o primeiro ser humano a alcançar os pontos mais profundos de todos os cinco oceanos, também documentou suas expedições para a televisão.

Iniciativas como a DEEP e o Proteus — um observatório e estação de pesquisa subaquática, anunciado em 2020 pela empresa de tecnologia oceânica fundada por Fabien Cousteau, neto do célebre explorador — devem, segundo McLean, revitalizar o interesse público pelos oceanos, gerando maior entusiasmo e engajamento.

Wolpert afirmou que a DEEP transcende o conceito de habitat subaquático, sendo também uma plataforma de engajamento para a próxima geração. A empresa está desenvolvendo um programa de extensão STEM, financiado pelo Departamento de Pesquisa Naval dos EUA, que desafiará os alunos a criar soluções tecnológicas para habitats submarinos.

Além disso, a DEEP está inaugurando um instituto com currículo próprio para formar futuros ocupantes do Sentinel. “Se as pessoas não souberem utilizar os habitats de maneira segura e produtiva, eles não passam de relíquias cintilantes no fundo do mar”, ponderou Wolpert.

Ele acredita que a abordagem holística da DEEP será fundamental para sustentar o crescente interesse pelos oceanos. “Há uma desconexão profunda entre a humanidade e o oceano”, afirmou Wolpert. “Nosso objetivo é catalisar essa mudança geracional e reaproximar a raça humana do mar.”

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