Estudo revela a relação entre estresse e a produção de glicose hepática
SAÚDE

Estudo revela a relação entre estresse e a produção de glicose hepática

Uma investigação sob a liderança de cientistas brasileiros esmiuçou a morfologia dos nervos hepáticos e seu papel na regulação da produção de glicose sob estresse. Este fenômeno, denominado gliconeogênese hepática, é essencial para a manutenção da glicemia em jejum e em momentos de elevada demanda energética.

Publicada na revista científica Metabolism, a pesquisa, realizada em camundongos, evidenciou que, em resposta ao frio, os nervos simpáticos que liberam noradrenalina no fígado promovem o aumento da glicose sanguínea ao ativar a produção de glicose. Tal ativação envolveu moléculas específicas, a proteína CREB e seu ativador CRTC2, pouco exploradas nesse contexto.

A noradrenalina, também conhecida como norepinefrina, é um neurotransmissor crucial na resposta rápida do organismo humano a situações de estresse ou ameaça, provocando o aumento da frequência cardíaca, da pressão arterial e da liberação de glicose a partir de reservas energéticas. Atualmente, a maioria das investigações científicas sobre a regulação da produção glicêmica pelo fígado concentra-se na ação dos hormônios produzidos pelo pâncreas e pelas glândulas adrenais.

A elucidação desses mecanismos é fundamental para compreender os processos fisiológicos desordenados que conduzem a doenças metabólicas, como diabetes e obesidade. Assim, os resultados da pesquisa podem propiciar novas direções para investigações, especialmente em contextos de alterações no sistema nervoso simpático, como hipertensão e esteatose hepática, caracterizada pelo acúmulo de gordura.

“A originalidade do nosso estudo reside em demonstrar que o sistema nervoso central, por intermédio dos nervos simpáticos, é capaz de regular CREB e reativar a produção hepática de glicose em situações de demanda energética. Apresentamos a anatomia da inervação hepática empregando uma metodologia inédita no Brasil”, explica à Agência FAPESP o professor Luiz Carlos Navegantes, do Departamento de Fisiologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), autor correspondente do artigo.

Os pesquisadores empregaram uma técnica denominada 3DISCO (sigla em inglês para *three-dimensional imaging of solvent-cleared organs*), um método histológico que confere maior transparência às amostras biológicas por meio de uma série de solventes orgânicos, permitindo, assim, a obtenção de imagens tridimensionais com os nervos em evidência.

Este trabalho foi viabilizado com o apoio da FAPESP, por meio de um Projeto Temático, além de bolsas de mestrado e doutorado (19/05900-6, 19/26583-9 e 21/05848-4) concedidas ao biólogo Henrique Jorge Novaes Morgan, primeiro autor do artigo, o qual foi laureado com o Prêmio Álvaro Osório de Almeida, outorgado pela Sociedade Brasileira de Fisiologia em 2021.

O estudo contou ainda com a colaboração de pesquisadores da Universidade de Oxford (Reino Unido), do Instituto Francis Crick (Londres) e do professor Marc Montminy, do Salk Institute for Biological Studies (Estados Unidos), que “descobriu” a proteína CREB e elucidou seu papel como regulador do metabolismo energético, revelando potenciais alvos terapêuticos para o tratamento da resistência à insulina, diabetes e obesidade.

 

Metodologia do estudo sobre estresse e glicose hepática

Utilizando a técnica de imunomapeamento em três dimensões, os cientistas examinaram a distribuição dos nervos simpáticos no fígado de camundongos, revelando uma inervação densa composta por fibras nervosas primárias robustas que se ramificam, embora não alcancem diretamente os hepatócitos (células hepáticas).

Para elucidar o papel fisiológico dessa inervação, os animais foram submetidos a temperaturas reduzidas (4°C) por um período de até seis horas. O estresse induzido pelo frio ativou CREB/CRTC2 mediante um sinal de cálcio (Ca²+), assegurando o fornecimento de glicose aos músculos e contribuindo para a manutenção da temperatura corporal dos roedores.

“Em continuidade aos estudos pioneiros do professor Renato Hélios Migliorini, fundador de nosso laboratório, que na década de 1980 evidenciou a capacidade do sistema nervoso em ativar a gliconeogênese, buscávamos compreender os eventos a nível molecular. Assim, analisamos animais da qual foi removida a inervação hepática por meio de dois métodos distintos – um químico e outro cirúrgico – além de camundongos transgênicos desprovidos de CRTC2. Em tais situações, a gliconeogênese não ocorreu em resposta ao frio, ou seja, na ausência de nervos ou do coativador de CREB, o roedor não consegue sintetizar glicose em condições de estresse. Com esses achados, estamos introduzindo um novo elemento nas investigações”, complementa Navegantes.

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