Incidência de AVC entre Jovens Apresenta Crescimento de 15%; Conheça os Fatores de Risco
Uma análise criteriosa publicada neste mês na renomada revista científica The Lancet Neurology revelou um crescimento de 14,8% nos casos de acidente vascular cerebral (AVC) entre indivíduos com idade inferior a 70 anos, em escala global. No Brasil, o impacto se mostra ainda mais acentuado: aproximadamente 18% dos episódios de AVC afetam a faixa etária dos 18 aos 45 anos, conforme dados da Rede Brasil AVC.
Em um esforço para sensibilizar a sociedade acerca dos riscos e das práticas preventivas, celebra-se, nesta terça-feira (29), o Dia Mundial do AVC. A patologia, caracterizada por uma interrupção do fluxo sanguíneo ao cérebro, culmina na destruição de células nervosas na região atingida. Dentre as causas preponderantes para o acidente vascular cerebral, destacam-se a obstrução dos vasos sanguíneos (AVC isquêmico) e a ruptura dos mesmos (AVC hemorrágico).
Globalmente, a incidência de acidentes vasculares cerebrais (AVC) cresceu impressionantes 70% entre 1990 e 2021, conforme revela a pesquisa. Neste período, as mortes decorrentes da patologia aumentaram em 44%, e as complicações relacionadas à doença, em 32%. No total, registraram-se 11,9 milhões de novos casos em todo o mundo. No Brasil, entre janeiro e agosto de 2024, cerca de 39.345 cidadãos perderam a vida em decorrência do AVC, o que equivale a uma média alarmante de seis óbitos por hora, conforme dados do Portal de Transparência do Registro Civil (ARPEN Brasil).
Segundo Angelica Dal Pizzol, integrante da Rede Brasil AVC e médica neurologista, pesquisas recentes têm evidenciado uma elevação preocupante no número de casos de AVC entre pacientes jovens.
“Esse aumento é atribuído a uma multiplicidade de fatores, incluindo o sedentarismo e hábitos de vida prejudiciais, como uma alimentação inadequada, que propicia o surgimento de obesidade, diabetes e hipertensão, mesmo em indivíduos mais jovens. Ademais, as mudanças climáticas, as elevações de temperatura e a poluição ambiental também desempenham um papel crucial na exacerbante incidência de AVC”, salienta a especialista.
Fatores genéticos e hereditários também podem incrementar o risco de AVC em jovens, incluindo condições genéticas e hematológicas. “Indivíduos jovens que apresentam esses fatores de risco necessitam de um acompanhamento mais rigoroso, além de uma atenção redobrada em relação a outros fatores de risco. A adoção de uma alimentação saudável e a prática regular de atividade física são fundamentais para evitar a acumulação de riscos que possam aumentar as chances de um AVC”, orienta a neurologista.
“Recordo vividamente da dor alucinante e, em seguida, do apagão.”
A empreendedora social Giuliana Cavinato, aos 30 anos, vivenciou um acidente vascular cerebral (AVC) enquanto se divertia praticando wakeboard em uma represa durante suas férias com amigos. Ao cair da prancha, o impacto de sua cabeça na água resultou em uma dissecção da artéria carótida, desencadeando um AVC isquêmico.
“Erguei-me da água e fui acometida por uma dor de cabeça intensamente forte. Contudo, atribuí essa dor tanto à queda quanto à intensidade do sol, não conseguindo imaginar que se tratava de um AVC. Afinal, eu era jovem,” recorda em entrevista.
Diante do quadro, sua primeira providência foi a ingestão de um analgésico para mitigar o desconforto. No entanto, ao chegar ao local onde estava hospedada, desmaiou e foi prontamente conduzida ao ambulatório do condomínio.
“O médico plantonista naquele local salvou minha vida: identificou rapidamente que se tratava de um AVC e acionou uma ambulância, enquanto meu namorado mantinha contato telefônico com meus pais, que decidiram que a ambulância seguiria para a capital,” relata. “Subsequentemente, fui submetida a um segundo procedimento, a trombectomia, realizado com o paciente acordado. Um cateter é inserido pela virilha, passando pelo coração e pela carótida até alcançar o cérebro, onde ‘suga’ o coágulo. Um stent foi colocado na carótida. Lembro-me da dor intensa e, logo depois, de um apagão.”
Cavinato descreve sua experiência ao despertar na UTI, quando se sentiu desnorteada e levou um tempo para compreender que não conseguia mover-se adequadamente nem falar.
A dificuldade de movimentação e de fala figura entre os sintomas predominantes associados aos acidentes vasculares cerebrais (AVCs), sejam eles isquêmicos ou hemorrágicos. Segundo o Ministério da Saúde, os principais sinais indicativos de um acidente vascular cerebral são:
- Dor de cabeça intensa e de início súbito;
- Fraqueza ou dormência facial;
- Paralisia (dificuldade ou incapacidade de movimentar-se);
- Perda súbita da fala ou dificuldades de comunicação;
- Perda da visão ou dificuldades visuais em um ou ambos os olhos.
Adicionalmente, podem manifestar-se sintomas como tontura, perda de equilíbrio ou coordenação, bem como alterações na memória, dificuldades em planejar atividades diárias, náuseas, vômitos, confusão mental e, em casos mais severos, perda de consciência.
Jovens Apresentam Maiores Chances de Sobrevivência ao AVC, Afirmam Especialistas, Embora Desafios Persistam
Segundo a neurologista Angelica Dal Pizzol, pacientes jovens têm probabilidade aumentada de sobrevivência após um acidente vascular cerebral (AVC) e apresentam melhores perspectivas de recuperação em relação às sequelas a longo prazo. Este fenômeno se deve, em parte, à maior plasticidade neuronal observada em comparação com indivíduos mais idosos.
“Além disso, por frequentemente apresentarem uma menor incidência de doenças crônicas, os jovens dispõem de um fator de proteção adicional que contribui para a diminuição da morbidade e da mortalidade,” esclarece a neurologista.
Entretanto, o processo de tratamento e recuperação após um AVC pode se revelar desafiador e exaustivo, como relata Giuliana Cavinato. “Recordo que minhas terapias ocorriam de segunda a sábado, iniciando-se às seis da manhã e se estendendo até a tarde. Era uma experiência alucinante, especialmente ao refletir sobre tudo isso,” descreve.
“Após o AVC, é extremamente comum a sensação de ‘correr contra o tempo’. Os médicos enfatizam a existência de uma ‘janela de oportunidade’ para a recuperação cerebral, que se estende de seis meses a um ano após o evento. Portanto, a premissa é clara: se a recuperação ocorre nesse intervalo, é algo extraordinário; caso contrário, devemos nos ‘adaptar a viver com as sequelas adquiridas’. Essa realidade pode ser desesperadora para aqueles que passaram por um AVC,” conclui Cavinato.
A empreendedora Giuliana Cavinato relata que o acidente vascular cerebral (AVC) impôs diversas limitações em sua vida, sendo a afasia — um distúrbio da comunicação que compromete a capacidade de expressão e compreensão — uma das mais desafiadoras.
“Após deixar o hospital, percebia as placas na rua como se estivesse em outro país, como se estivessem escritas em russo ou grego… Várias palavras tornaram-se incompreensíveis,” recorda. “Naquele momento, minha fala se restringia a algumas palavras isoladas, escrevia meu nome de maneira incorreta e não conseguia me comunicar por muito tempo, pois me sentia cansada, exausta,” completa.
Para enfrentar tais adversidades, Cavinato se dedicou a sessões diárias de fonoaudiologia. Contudo, as sequelas não se limitaram à fala; ela também enfrentou limitações motoras, com o lado direito do corpo paralisado e desprovido de sensibilidade. “Eu me sentia como se fosse metade morta. No início, precisavam me dar banho, trocar… Minha autonomia foi para o espaço,” relata.
O processo de reabilitação de pacientes que sofreram um AVC pode ser iniciado ainda no ambiente hospitalar, com o intuito de restaurar habilidades funcionais, mobilidade e independência física e psíquica.
No âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), o tratamento do AVC é conduzido em Centros de Atendimento de Urgência, que funcionam como unidades de referência para o atendimento a esses pacientes. Nesses estabelecimentos, são realizados procedimentos com o uso de trombolíticos, que visam restaurar o fluxo sanguíneo em artérias ou veias por meio da “dissolução” de coágulos. A reabilitação, por sua vez, pode ser efetivada nos Centros Especializados em Reabilitação (CERS).
Reabilitação Neurocognitiva: Um Novo Caminho para a Recuperação
Frente aos desafios impostos à sua recuperação, Giuliana Cavinato decidiu viajar para a Itália em busca de um tratamento inovador. “A família do meu pai é da Itália e, por sorte, tenho um primo que é fisioterapeuta. Quando ele tomou conhecimento do meu acidente, insistiu para que me levassem para lá, pois no sistema de saúde italiano existia uma reabilitação reconhecida como referência no tratamento de AVC,” relata.
Esse tratamento é baseado na reabilitação neurocognitiva Perfetti, desenvolvida pelo neurologista Carlo Perfetti na década de 1970. Essa abordagem distingue-se das metodologias tradicionais ao considerar todos os processos motores, sensitivos e cognitivos envolvidos no movimento.
“Após uma lesão, é imprescindível reintegrar os diversos processos cognitivos, como percepção, memória, planejamento e raciocínio, entre outros. O objetivo primordial é restaurar a unidade entre mente e corpo, permitindo que o cérebro e o corpo operem em harmonia,” explica Cavinato.
Na reabilitação neurocognitiva Perfetti, os exercícios são meticulosamente elaborados para atender às especificidades de cada paciente. Eles envolvem a resolução de problemas através da construção de uma modalidade informativa específica e da ativação desses processos, promovendo um trabalho simultâneo nos aspectos cognitivos, sensoriais e motores.
Esse enfoque personalizado e integrado potencializa a eficácia do tratamento, proporcionando uma recuperação mais abrangente e significativa, refletindo um avanço no campo da reabilitação pós-AVC. A experiência de Cavinato ilustra não apenas a resiliência do indivíduo diante da adversidade, mas também a importância de buscar métodos de tratamento que respeitem e integrem as complexidades da mente e do corpo.
Nesse contexto, o terapeuta desempenha um papel crucial ao auxiliar o paciente na busca da informação que seu cérebro, de forma espontânea, encontra dificuldades em acessar. Ao promover a colaboração entre mente e corpo, o paciente consegue retomar sua percepção e consciência, interagindo com o mundo de maneira mais natural e obtendo uma recuperação de qualidade superior.
“Permaneci um mês e meio na Itália, e foi indescritível poder, pela primeira vez, sentir novamente o meu pé! Essa experiência é profundamente impactante,” compartilha Cavinato.
Em virtude de sua própria vivência, Cavinato decidiu transformar-se em comunicadora sobre o AVC, estabelecendo um canal no YouTube e no Instagram para narrar sua história. Em 2018, ela fundou o Instituto Avencer, com o intuito de capacitar profissionais de saúde brasileiros na reabilitação neurocognitiva Perfetti.
Essa iniciativa não apenas visa disseminar conhecimentos sobre métodos eficazes de reabilitação, mas também promove uma conscientização acerca das complexidades envolvidas na recuperação após um AVC. A atuação de Cavinato reflete um compromisso admirável com a educação e o suporte a outros que enfrentam desafios semelhantes, contribuindo para a construção de um futuro mais esperançoso e informado na área da reabilitação neurológica.