Sonolência está intrinsecamente vinculada a condição precursora da demência, revela estudo
SAÚDE

Sonolência está intrinsecamente vinculada a condição precursora da demência, revela estudo

Caso você perceba uma constante sensação de sonolência durante suas atividades diárias na maturidade, é imperativo que este sintoma seja encarado com mais seriedade do que um mero incômodo. De fato, essa fadiga persistente pode ser um indicativo precoce de um risco substancialmente elevado para o surgimento de uma condição neurodegenerativa, conforme demonstrado por um recente estudo de relevância internacional.

De acordo com os dados apresentados na pesquisa, 35,5% dos participantes que relataram sonolência excessiva durante o dia, juntamente com uma diminuição no entusiasmo pelas atividades cotidianas, desenvolveram a síndrome de risco cognitivo-motor (SRCM). Esse índice é significativamente superior ao de apenas 6,7% entre aqueles sem tais queixas, conforme publicado na edição mais recente da renomada revista Neurology em 6 de novembro.

A SRCM, síndrome caracterizada pela redução da velocidade de caminhada e por dificuldades de memória em indivíduos idosos, ocorre antes do surgimento de quadros demenciais ou limitações motoras. O risco de progressão para demência nesses casos mais que dobra, evidenciando a importância dessa condição como um sinal de alerta. A síndrome foi primeiramente identificada em 2013, mas sua relação direta com a demência só foi mais amplamente explorada recentemente.

Em sua declaração, a principal autora do estudo, Victoire Leroy, professora assistente de medicina geriátrica no Hospital Universitário de Tours, na França, ressaltou que pesquisas anteriores já haviam estabelecido uma associação entre distúrbios do sono e o aumento do risco de demência. No entanto, a maioria desses estudos focou em uma análise pontual, e pouco se sabia sobre como aspectos específicos do sono de baixa qualidade poderiam estar interligados a síndromes pré-demenciais. Dessa forma, Leroy e sua equipe buscaram expandir os conhecimentos nesse campo.

“Estabelecer com precisão a conexão entre disfunções do sono e o risco de desenvolvimento da SRCM é crucial, pois uma intervenção precoce pode representar a melhor oportunidade para prevenir o avanço para a demência”, afirmaram os autores, enfatizando a relevância de um diagnóstico antecipado para intervenções terapêuticas que visem mitigar a progressão das condições cognitivas.

 

Acompanhamento dos padrões de sono

Os achados do estudo são baseados na análise de 445 adultos, com idade média de 76 anos, recrutados no Condado de Westchester, em Nova York, para o estudo Central Control of Mobility and Aging, o qual investiga os processos cognitivos e os mecanismos cerebrais que regulam a mobilidade no envelhecimento. Durante a pesquisa, os participantes realizaram caminhadas em esteiras, permitindo o registro de suas primeiras andadas, sendo posteriormente avaliados anualmente de 2011 a 2018.

Além disso, os pesquisadores coletaram dados anuais acerca das memórias dos participantes sobre a qualidade e a quantidade do sono nas duas semanas precedentes às avaliações. Especificamente, a equipe obteve informações detalhadas em sete componentes do Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh:

  1. Qualidade subjetiva do sono;
  2. Tempo para adormecer;
  3. Duração do sono;
  4. Eficiência do sono (relação entre o total de horas dormidas e o total de horas na cama);
  5. Distúrbios do sono;
  6. Uso de medicamentos indutores do sono;
  7. Disfunção diurna, caracterizada pela dificuldade em manter-se acordado durante as atividades cotidianas ou pela diminuição do entusiasmo para realizar tarefas.

Durante o período de acompanhamento, com média de três anos, 36 participantes desenvolveram a síndrome de risco cognitivo motor (SRCM). Quando comparados aos indivíduos com padrões de sono considerados “saudáveis”, os “maus” dormidores apresentaram um risco apenas ligeiramente maior de desenvolver a síndrome. Contudo, ao analisar separadamente os sete componentes do sono, constatou-se que apenas a disfunção diurna se associava a um risco 3,3 vezes superior de desenvolvimento da SRCM.

Esses resultados podem fornecer subsídios valiosos para médicos e pacientes, incentivando-os a adotar uma postura mais proativa na investigação dos padrões de sono e na análise da velocidade de caminhada como ferramentas para um diagnóstico precoce. Essa abordagem foi ressaltada por Richard Isaacson, diretor de pesquisa do Instituto de Doenças Neurodegenerativas da Flórida, que, embora não tenha participado diretamente do estudo, destacou a importância dessas descobertas no aprimoramento das estratégias diagnósticas.

 

A ligação do sono com o declínio cerebral

O estudo apresenta algumas limitações de considerável relevância, conforme apontado pela professora Tara Spires-Jones, especialista em neurodegeneração e diretora do Centro de Ciências Cerebrais da Universidade de Edimburgo, na Escócia. Spires-Jones, que não participou da pesquisa, observou que “as medições do sono foram baseadas em autorrelatos, e tais relatos podem ser suscetíveis a distorções, especialmente por parte de indivíduos com dificuldades de memória”. A pesquisadora também destacou que o estudo foi composto majoritariamente por participantes de origem branca e que o tamanho da amostra foi significativamente menor em comparação com estudos similares realizados em um único ponto no tempo, o que implica que os resultados só poderão ser considerados robustos se confirmados em investigações subsequentes.

Os autores do estudo reconheceram, igualmente, que, embora o período de acompanhamento, de cerca de três anos, seja superior ao de algumas pesquisas anteriores, o intervalo temporal ainda se apresenta como relativamente breve para alcançar conclusões definitivas sobre as associações observadas.

A síndrome de risco cognitivo motor (SRCM), sendo uma condição recém-identificada, ainda exige considerável aprofundamento por parte dos especialistas, os quais ainda estão em processo de entendimento sobre suas causas e os mecanismos exatos pelos quais afeta o organismo, como pontuou Richard Isaacson, diretor de pesquisa do Instituto de Doenças Neurodegenerativas da Flórida. Esse desafio é agravado pela ausência de “biomarcadores patológicos definitivos” para a SRCM até o momento, o que limita a precisão diagnóstica e a compreensão plena da síndrome.

Entretanto, a principal autora do estudo, Victoire Leroy, sugere que “vários mecanismos podem justificar essa associação entre sono e risco cognitivo motor”. Segundo ela, o sono exerce um papel crucial na “limpeza” das neurotoxinas que se acumulam no cérebro, o que pode ter implicações diretas na saúde cerebral. Além disso, estudos anteriores demonstraram que a privação de sono favorece o acúmulo de proteínas associadas à doença de Alzheimer, o que corrobora a teoria de que o sono desempenha um papel vital na preservação da integridade cognitiva e na prevenção do declínio neurodegenerativo.

Victoire Leroy sugere que uma possível alternativa ou maneira adicional para compreender o fenômeno poderia ser a ativação da resposta inflamatória cerebral, uma característica observada na doença de Alzheimer e em outras demências correlatas. Esta teoria expande a compreensão sobre os mecanismos subjacentes à relação entre sono e risco cognitivo, sugerindo que a inflamação cerebral poderia desempenhar um papel crucial no desenvolvimento de distúrbios cognitivos.

No entanto, os especialistas destacam uma questão intrigante: não está claro por que, entre os sete componentes do sono analisados, apenas a disfunção diurna apresentou uma associação significativa com o risco de desenvolver síndrome de risco cognitivo motor (SRCM), quando, à primeira vista, poderia-se supor que os outros seis componentes — que abrangem a qualidade e a quantidade do sono — também desempenhassem um papel na gênese da disfunção diurna. Essa lacuna nos dados ainda desafia os pesquisadores a aprofundarem a análise dos mecanismos subjacentes a essa relação específica.

Tara Spires-Jones levanta uma importante consideração sobre a possível causalidade reversa, ou seja, a possibilidade de que o desenvolvimento da doença esteja causando os distúrbios do sono, e não o contrário. Ela observa que “evidências científicas sugerem que, nos estágios iniciais da demência, alterações patológicas no cérebro podem interferir diretamente nos padrões de sono”. Isso implica que a disfunção do sono, longe de ser um fator causal, poderia ser uma consequência da neurodegeneração precoce. Assim, a interrupção do sono poderia, na realidade, ser mais um reflexo das mudanças cerebrais associadas ao início da demência do que um fator que contribua diretamente para o seu surgimento.

Além disso, sabe-se que distúrbios do sono, como o distúrbio comportamental do sono REM, podem ser precursores de doenças neurodegenerativas, como a demência com corpos de Lewy ou a doença de Parkinson, conforme destacado por Isaacson. Isso reforça a importância de uma investigação detalhada dos padrões de sono como ferramenta de diagnóstico precoce, pois distúrbios aparentemente simples podem antecipar condições complexas e potencialmente devastadoras.

 

Monitorando a saúde do sono no envelhecimento

Os resultados do estudo sublinham a importância crucial do sono para a saúde cognitiva, conforme destacou a professora Victoire Leroy. Este achado reforça a ideia de que o sono não deve ser considerado apenas um período de descanso, mas um fator vital para a preservação da saúde cerebral ao longo do envelhecimento.

Richard Isaacson, diretor do Instituto de Doenças Neurodegenerativas da Flórida, recomenda que indivíduos com dificuldades no sono procurem orientação médica, preencham questionários especializados sobre seus padrões de sono e considerem a realização de um estudo do sono, seja no conforto de sua residência ou em ambiente hospitalar. “Atualmente, há uma variedade de tratamentos, tanto medicamentosos quanto não medicamentosos, que podem ser empregados, dependendo do problema identificado. O tratamento adequado dos distúrbios do sono pode trazer benefícios duradouros, contribuindo significativamente para a saúde cerebral e para a prevenção de condições como a demência”, afirmou Isaacson, evidenciando a relevância de intervir precocemente.

Além de tratar distúrbios específicos do sono, existem outras ações preventivas que podem contribuir para a preservação da saúde cerebral no envelhecimento. Tara Spires-Jones enfatizou a importância de um estilo de vida saudável, que inclua uma alimentação balanceada, o controle do peso, a prática regular de atividades físicas e mentais, além do cuidado com a perda auditiva. Estes fatores, segundo ela, podem fortalecer a resiliência cerebral e, consequentemente, reduzir o risco de demência. “É importante frisar que a adoção de um estilo de vida saudável não deve ser vista como uma forma de culpabilizar aqueles que desenvolvem demência, uma vez que menos da metade do risco pode ser atribuído a fatores modificáveis. O restante do risco é provavelmente influenciado por fatores genéticos que não podemos controlar”, acrescentou.

No entanto, ela também mencionou que, apesar das limitações impostas pela genética, o avanço das pesquisas médicas e das opções de tratamento oferece razões para otimismo. Com o aumento da compreensão sobre as doenças neurodegenerativas e o aprimoramento das terapias disponíveis, há motivos para acreditar que a modificação do risco de demência é possível, mesmo que não seja uma solução definitiva para todos.

Por fim, Isaacson destacou a importância de tomar medidas para prevenir quedas, especialmente para aqueles que já enfrentam problemas de mobilidade. A avaliação de terapias físicas e ocupacionais, juntamente com adaptações simples no ambiente doméstico, como a instalação de barras de apoio no chuveiro, a remoção de obstáculos e o uso de luzes noturnas, pode fazer uma grande diferença na segurança e bem-estar dos idosos.

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