Vaca-marinha pré-histórica foi devorada por crocodilo e tubarão, sugere fóssil
Um estudo conduzido pelo Departamento de Paleontologia da Universidade de Zurique revela que um raro fóssil oferece uma visão do destino trágico de uma vaca-marinha pré-histórica.
A espécie extinta de dugongo, um mamífero marinho similar ao peixe-boi, foi predada por um crocodilo e um tubarão-tigre há cerca de 15 milhões de anos. Um dente do tubarão ficou incrustado no fóssil. A análise do fóssil, encontrado na Venezuela, permitiu a reconstrução do evento fatal que acometeu o Culebratherium, um grupo extinto.
O estudo, publicado no Journal of Vertebrate Paleontology, oferece uma visão rara e significativa sobre a dinâmica da cadeia alimentar do Mioceno, período que vai de 11,6 a 23 milhões de anos atrás.
“Encontrar evidências de dois predadores em um único espécime é excepcionalmente raro,” afirmou Aldo Benites-Palomino, principal autor do estudo e doutorando na Universidade de Zurique. “Isso sublinha a importância de investigar fósseis em regiões tropicais como a Venezuela.”
Anatomia de um ataque
Os restos fossilizados — um crânio parcial e treze vértebras — evidenciam três distintas marcas de mordida, cujas características de forma, profundidade e orientação indicam a ação de dois predadores: um crocodilo de porte médio e um tubarão-tigre.
O estudo revela que o crocodilo atacou inicialmente, deixando marcas profundas no focinho da vaca-marinha, sinalizando uma tentativa de sufocamento. Outras incisões significativas sugerem que o crocodilo arrastou e dilacerou o dugongo.
Estrias e cortes no fóssil indicam a execução de um “rolamento da morte”, uma técnica de rotação empregada por crocodilos para dominar a presa.
“Essas marcas são características de mordidas seguidas de ações de rasgo, rotação ou agarro,” apontam os autores do estudo.
Após o ataque inicial, a vaca-marinha foi desmembrada por um tubarão-tigre, cujos dentes, finos e não serrilhados, facilitaram a identificação das marcas de mordida como pertencentes a um carniceiro. A distribuição irregular e a variação na profundidade das marcas ao longo do corpo do dugongo indicam que o comportamento registrado é característico de um tubarão-tigre.
A confirmação da identidade do predador foi obtida com a descoberta de um dente isolado incrustado no pescoço do peixe-boi, pertencente à espécie extinta Galeocerdo aduncus.
“Tive que atuar como um cientista forense,” lembrou Benites-Palomino.
No entanto, o estudo observou que a fragmentação do esqueleto impossibilita a exclusão de outros cenários para a morte do dugongo.
Dean Lomax, paleontólogo da Universidade de Bristol e da Universidade de Manchester, que não participou da pesquisa, concorda com as conclusões, mas ressalta a dificuldade de distinguir entre carniça e comportamento predatório ativo.
“Não seria totalmente irracional supor que o dugongo já estivesse morto, podendo ter flutuado e inchado antes de ser devorado (como carniça) por crocodilianos e tubarões em momentos distintos,” observou Lomax, autor de Locked in Time: Animal Behavior Unearthed in 50 Amazing Fossils, por e-mail.
“Sem evidências diretas do dugongo dentro do crocodilo (como uma última refeição) ou da morte simultânea do crocodilo e do dugongo durante o ataque, é extremamente difícil afirmar com absoluta certeza se o evento foi um ataque ativo ou apenas carniça,” acrescentou Lomax.
Descoberta Acidental de Fóssil
Benites-Palomino destacou que, na época, as vacas-marinhas podiam atingir até 5 metros de comprimento, e seu tecido adiposo representava uma rica fonte de alimento.
Atualmente, crocodilos, orcas e tubarões predam dugongos e peixes-bois, focando principalmente nos jovens, pois os adultos são difíceis de subjugar devido ao seu tamanho. Não é preciso determinar qual crocodiliano específico atacou a vaca-marinha — poderia ter sido um extinto jacaré ou gavial, ambos de grande porte, com comprimento de 4 a 6 metros.
“Diversos predadores eram possíveis. A América do Sul era um refúgio para crocodilos naquela era,” complementou Benites-Palomino.
A descoberta dos restos da vaca-marinha ocorreu de forma acidental por um fazendeiro ao sul de Coro, na Venezuela, em uma área onde fósseis ainda não haviam sido encontrados.
“Inicialmente, nossa familiaridade com a geologia local era limitada, e os primeiros fósseis que desenterramos eram fragmentos de crânios. Demorou algum tempo para identificá-los como crânios de vacas-marinhas, cuja morfologia é particularmente peculiar,” relatou Marcelo Sánchez-Villagra, coautor do estudo e professor de paleobiologia, além de diretor do Instituto e Museu Paleontológico da Universidade de Zurique, em comunicado.
Benites-Palomino enfatizou que a descoberta singular sublinha a importância da exploração de fósseis em regiões sul-americanas “não tradicionais.”
“Embora tenhamos investigado os mesmos locais de fósseis na América do Norte e na China por muitos anos, sempre que nos aventuramos em novas regiões, invariavelmente encontramos novos espécimes”.